Satsangs

Sri Prem Baba: Bhaktas em plena declaração de amor. O amor silencia. 

Pergunta: Querido guruji, você pode me ajudar? Não sei o que está acontecendo. Na temporada aqui na Índia, ano passado, me senti no céu. Parecia que eu tinha desencarnado temporariamente e passado férias no plano celestial. Ao longo do ano vim muitas vezes ao ashram, mentalmente, em busca dessa reconexão. Agora que voltei materialmente, tenho a impressão de que nunca saí daqui. É como se minha vida no Brasil fosse um grande sonho, com coisas boas e ruins, mas todas igualmente irreais. Por que essa sensação? Se for verdade que eu estava sonhando, como faço para viver acordada no Brasil?

Sri Prem Baba: Ou em qualquer outro lugar do mundo, naquilo que eu chamo de matrix. 

Não existe uma receita que sirva para todos. Cada um vai precisar descobrir o que funciona para si. Mas, de uma forma geral, é importante compreender que o que está por trás deste sonhar é o apego, e que um dos instrumentos de manutenção do apego são os hábitos. 

Quando você vem para cá e entra nessa bolha espiritual; que você recebe um grande auxílio para despertar, que é o darshan do guru, o darshan da Ganga, o darshan dos Himalaias, o darshan das pegadas de tantos santos que caminharam por esta terra, o darshan da sangha que faz o sadhana regularmente, o darshan desse direcionamento da vontade para o despertar, com todo esse apoio, você muda a sua rotina, você abre mão de  hábitos e redireciona, reprograma o seu fazer. 

Mas, quando você volta para a matrix, existe uma tendência de você voltar para os velhos hábitos, para uma velha rotina, para os velhos apegos. A sua consciência vai rebaixando novamente e você passa a dormir, a sonhar. Se você estiver podendo observar em algum grau o enredo do sonho, você encontrará o apego. Podemos dizer que, em resumo, o despertar está intimamente relacionado com o desapego.

E o que é o apego? É o medo de perder algo. É o medo de ser roubado. É a raiz da agonia, do desespero, do sofrimento. Você tem medo de perder seu emprego, seu dinheiro, seu namorado, sua fama, seu prestígio, seu poder, porque tudo isso, de alguma forma, agrega valor à ideia de quem é você. Mas, como tudo isso é como bolhas de sabão e quando menos se espera desaparece, você vive em constante agonia, tentando controlar o amanhã. Não é possível controlar o amanhã.

O despertar está intimamente relacionado com o desprendimento. Estar no mundo, mas não deixar o mundo te contaminar, não deixar o mundo te escravizar. Ele te escraviza através do medo, medo de perder aquilo que de alguma forma te da segurança. E, é claro que no ambiente em que isso é multiplicado por incontáveis vezes, onde existem multidões e multidões sonhando o mesmo sonho, vítimas do mesmo apego, do mesmo medo de perder essa segurança, você é facilmente envolvido. E você começa a ser envolvido através dos hábitos. 

O que te ajuda é criar mecanismos de despertar. Primeiro, mudando os hábitos. Você vai perceber que os hábitos criam uma atmosfera própria, como se fosse um campo de energia, uma egrégora. Então, se você desenvolveu o hábito de chegar na sua sala, ligar a televisão e ver um filme, não importa quanto tempo que você tenha passado aqui neste campo de prece sem ter visto nenhum filme, quando você chega na sua sala e senta no sofá, vai perceber que tem um poder lhe levando a ligar a televisão e assistir aquela mesma série, o mesmo filme. Cada cômodo da casa tem a sua egregóra. O seu trabalho, os lugares por onde você passa te induzem à repetição. Se essa repetição, esse hábito, é saudável e está te ajudando a acordar, ótimo. Mas, se ele está trabalhando para você adormecer, você vai precisar de muita determinação para quebrar esse hábito, para quebrar o círculo vicioso. 

Talvez ajude a entender melhor o poder do apego, quando a gente olha sob o viés do vício. O vício é um grande poder. Ele te leva à repetição e você só rompe quando tiver compreendido suficientemente e puder direcionar a vontade disponível para fazer diferente. No primeiro momento, com esforço, até que isso se transforme em um estilo de vida; até que você incorpore os bons hábitos na sua vida. Bons hábitos, que são instrumentos que ajudam a te manter acordado. Esta é uma questão profunda. 

Eu terminei a vigília do Maha Shivaratri um pouquinho mais cedo por duas razões: A primeira e principal é que, quando eu vi a dimensão do trabalho que estava se apresentando, logo vi que uma horinha de Om Namah Shivaya a mais não seria suficiente, na verdade, não faria diferença nenhuma. Muito profundo. É como um médico que vai fazer uma cirurgia e tem uma noção do que vai fazer, mas na hora que ele abre, ele se surpreende com o tamanho do problema e pensa: “Melhor descansar um pouco e amanhã eu continuo”. 

Eu lembrei que o Maharaji já tinha me ensinado sobre isso: “No máximo cinco horas já está bom”. E vamos dar tempo ao tempo, para que a cirurgia desses nós de apegos possa ser bem sucedida, ao menos para aqueles que estão suficientemente prontos para essa cirurgia; porque alguns estão se preparando para essa cirurgia e outros já estão prontos para quebrar os apegos. 

O apego tem uma curva de amadurecimento. Durante uma fase da jornada, o apego precisa se cristalizar; obviamente estamos falando da necessidade do ego acreditar que tem um lugar no mundo. A fantasia da onipotência é parte do processo de amadurecimento – eu chamo de cristalização do ego – até que ele amadurece o suficiente para perceber que não é aí que está aquilo que está procurando, ao contrário, a felicidade duradora que ele está procurando só chega, quando ele aprende a soltar. Faz parte do sonho você acreditar que controla. 

Um outro aspecto que é importante compreender é que, se seu espírito se encontrou aqui, aqui é o seu lugar; aqui é que você realmente se sente em casa. 

Então, você vai para a matrix para realizar um trabalho. Você vai a serviço e volta para casa, nem que seja em espírito. Ainda mais nesses tempos – em que a matrix está sofrendo grandes abalos devido aos impactos do karma e a crueldade parece aumentar – mais desafiador é esse sadhana de estar acordado ali. Mas esse desafio não é pessoal, é um desafio civilizatório. É claro que, se você já está no caminho do despertar espiritual, é possível que seja ainda mais desafiador, porque você não está mais amortecido – ou não tão amortecido – e pode sentir este impacto todo, pode perceber que os pilares de sustentação da matrix estão ruindo, os nós de apegos coletivos sendo impactados e o desespero coletivo. Se a pessoa está amortecida, ela não tem nem consciência do por que está em desespero. 

Você vai precisar aprender a lidar com isso. Você vai aprender, inevitavelmente, a andar no mundo sem se perder nele. E qual é a única maneira? Qual é o antídoto para esse veneno chamado apego? Só existe um: amor. Só amor. Quando você ama tudo, você está desprendido de tudo. Só o amor te liberta do apego. Só o amor permite que você seja livre. Quando você ama, você solta. Se você não ama, você prende para poder se vingar e alimentar o falso eu. 

Eu vi Shiva chegando com seu trishula – trishula é a arma de Shiva – para destruir a ignorância. Ignorância que é apego. Ignorância e escuridão é uma combinação de apegos. Mas aí, quando eu percebi a dimensão do trabalho que estava se passando, eu preferi ir descansar e dar tempo ao tempo. Dar tempo para Shiva.

Hoje eu estou querendo completar o trabalho te dando um prassad, um pedacinho de doce para completar este trabalho. 

Claro que cada um experiencia isso de uma maneira; estou falando em termos gerais aqui. Não estou falando de particularidades da pintura, estou falando do quadro como um todo. Estão entendendo o que estou falando?

Abençoado seja cada um de vocês. Que possamos receber as santas curas. Até um próximo encontro.

NAMASTE